domingo, 31 de outubro de 2010

Aquela casa em pedaços revela muito do que já fui...

Portas e janelas intactas, feitas de madeira inoxidável, Como as lembranças que percorrem a mente. Era difícil para Ele entender o porquê de tudo. O telhado se degradava, os membros da família dos termitídeos cumpriam bem suas obrigações, mas cada recordação trazida por sua memória parecia intensamente viva. Ao entrar na sala era possível ver os rostos ligados na primeira televisão preto e branco, nos ruídos do rádio AM. Rostos inocentes, que mal alcançavam os tornos de armar rede, e que hoje se curvam ao passar nas portas, riem ao lembrar-se das travessuras, dos flertes fortuitos, das brincadeiras no terreiro.
A casa cheia, as velas que transbordavam nos pratos sobre a mesa, todos postos ao redor do oratório, aquele reza sem fim, aquele medo sobrenatural vindo do quarto escuro, e as lagrimas escorriam pelo rosto, na certeza de que o tempo conduz nossas vidas. O tempo é o maior dos deuses.
A cada cômodo uma nova sensação, a memória se encarregava de encher os olhos, os ouvidos, as bocas, até o nariz – parecia poder sentir o cheiro das pessoas, da comida no fogão a lenha – tudo era tão vivo e morto ao mesmo tempo, algo indescritível para um coração tão sensível. Lembrar do que se foi é tarefa árdua, por demais difícil, que consome a alma, o espírito, o coração, a mente...
Ali, envolvido por todo aquele universo, sentia as paredes do tempo a lhe comprimir, empregando sua pisada infalível. Ele sentou, chorou, riu e foi embora levando consigo tudo o que lhe restara: sua pobre e complicada vida de adulto.

Um comentário:

Shenna Rocha disse...

Que texto lindo, Fabrício. Bem barroco, com esse tema do tempus fugit. "O tempo trota sobre as flores e imprime em cada flor sua pisada" e existe verdade mais bonita e certa do que essa, poetizada por Gôngora, Gregório e, agora, por vc??

Um abração!!