quinta-feira, 24 de março de 2011

Penélope


Quem me dera estar à deriva
E tê-la como Penélope a me esperar,
Navegaria eu o quanto preciso fosse
Só para ter a ventura de viver em teus braços.

Quem me dera ter herdado a admirável astúcia
De um herói tão singular, porém acredito
Ter herdado a sensibilidade, que me leva
Aos prantos no momento de tua ausência.

Quem me dera fazer-te crer que para meu amor
Não existem feiticeiras, sereias, deusas ou ninfas
Que me façam desistir ou tropeçar no caminho
Que conduz até o teu colo tão harmonioso.

Meu júbilo seria sem igual ao retornar de minha
Odisseia diária e poder tê-la em meus aposentos de plebeu.

Se não for amor


Você me olha desse jeito
meus direitos e defeitos querem se modificar
meu pensamento se transforma me transporto simplesmente
penso coisa diferente vejo em você meu amor.
Se não for nada disso fique perto
dou um jeito e tudo certo não precisa se preocupar,
dê mais um sorriso e vá embora por favor volte outra hora
eu só quero ver você voltar.
Mas se não for amor não diga nada por favor
não apague esse sonho
pois meu coração nunca sofreu de amor.


Benito Di Paula

domingo, 20 de março de 2011

Alberto Caeiro - O guardador de rebanhos

XVIII - Quem me Dera que eu Fosse o Pó da Estrada

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...

Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...

Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo. . .

Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...

Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena ...

Fonte: Domínio Público

Longe de casa


Nascido num tempo próximo
Vivo em outro distante,
Não sendo deste no qual me encontro
Quero viver naquele ao qual pertenço.
Ora sinto vestir uma roupa velha,
Ora sou essa velha roupa
E sinto uma saudade de doer o ouvido.
Restam-me recordações que não são minhas.
E vivo minha saudade de doer o ouvido no violão.
Quem me dera ter só vinte e poucos anos.

Alberto Caeiro - O guardador de rebanhos

XVI - Quem me dera

Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.

Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas ...
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.

Fonte: Domínio Público

terça-feira, 15 de março de 2011

Passeio


O mundo passava por nós
E eu acariciava seu rosto terno.
O mundo passava por nós
E eu apenas a olhava dedicado.

Atento, tentava entender o que sua voz
Não dizia, o que seu semblante murmurava.
Do cansaço cúmplices foram meus olhos,
Observavam o que feito para ser observado era.

Olhei com veneração cada traço seu
Sem querer ver além do que era permitido.
Enquanto isso o tempo me roubava lentamente,

E eu, despercebido, só queria ficar olhando,
Amando, sentindo seu cabelo correr
Pelos meus dedos, fazendo-me pensar mais.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Aquela Morena

Aquela morena impiedosamente charmosa
Fez-me querer cantar com saudade amarga
Uma música intimamente assombrosa,
Fruto da noite que aos olhos embriaga
Com seus néons atenuados pelo brilho
Do astro noturno, imperador do seu palco.
Como poderia passar sem cruzar tal brilho?

Poderia ela perceber meu olhar certeiro?
Certamente passaria despercebido
Como quando a noite chega na cidade.

Seu olhar incrédulo e atormentado
Hei de apagar de minha memória,
Então me restará o que ora entendo:
Nossos corpos sendo uma só matéria.
No passado apenas o sustento do por vir
Assim o temor haveremos de sucumbir;

Lembrar-me-ei de teu olhar somente
Umedecido da ternura que emana
Instintivamente de sua casa latente.
Seremos fartos como não se imagina,
Seres construídos de afeto, compreensão
Abrigados pela cumplicidade sem razão.